Tradições de Família: O Que Fiz Questão de Manter (E o Que Deixei Ir)
Não porque seja minha sobremesa favorita (gosto, mas não é). Não porque meus filhos peçam (eles preferem o panetone). Faço porque minha mãe fazia. E a mãe dela fazia.

Todo Natal, sem exceção, faço rabanada. Daquelas bem tradicionais, embebidas no leite com canela, fritas na manteiga, polvilhadas com açúcar e canela.

Não porque seja minha sobremesa favorita (gosto, mas não é). Não porque meus filhos peçam (eles preferem o panetone). Faço porque minha mãe fazia. E a mãe dela fazia. E provavelmente a mãe dela também.

É uma tradição. Um fio invisível que me conecta com mulheres que já não estão mais aqui, mas que vivem em mim através desse gesto simples: fazer rabanada no Natal.

Mas nem todas as tradições eu mantive. Algumas, conscientemente, deixei ir. Porque tradição não é prisão. É herança. E a gente tem o direito de escolher o que herdar.

Hoje quero conversar sobre isso: as tradições que escolhi manter e as que escolhi transformar ou abandonar. E o que aprendi com essas escolhas.

As Tradições que Mantive (Com Todo Carinho)

1. A Rabanada de Natal

Como disse, essa tradição está na família há gerações. E continua comigo.

Faço na véspera de Natal, sempre. A casa fica com aquele cheiro de canela e manteiga. Os filhos (mesmo já adultos) aparecem na cozinha: “Já está fazendo, mãe?”

E mesmo que não comam muito, a presença da rabanada na mesa significa Natal. Significa família. Significa continuidade.

A Milene já me pediu a receita. “Quando você não estiver mais aqui, mãe, eu quero continuar fazendo.”

Aquilo me encheu de alegria. Porque percebi: a tradição vai continuar. Vai passar para a próxima geração. E um pouquinho da minha mãe, da minha avó, vai continuar vivo também.

2. O Almoço de Domingo

Na casa dos meus pais, domingo era sagrado. Família reunida para o almoço. Não importava o que estava acontecendo, todo mundo sentava à mesa.

Eu mantive isso. Mesmo quando os filhos eram adolescentes e reclamavam (“Mãe, tenho que ir? Tenho compromisso!”). Mesmo quando o Rúben estava cansado. Mesmo quando eu mesma estava exausta.

Domingo, a gente se reúne.

Nem sempre todos conseguem vir. A vida adulta é corrida. Mas a porta está aberta. A mesa está posta. E quem puder, aparece.

Hoje, vejo o valor disso. Os netos pedem: “Vovó, domingo tem almoço na sua casa?” E vêm correndo.

Esses almoços criam memórias. Criam vínculos. Criam o senso de pertencimento que as crianças (e os adultos!) tanto precisam.

3. As Histórias Antes de Dormir

Minha mãe me contava histórias antes de dormir. Não lia, contava. Inventava na hora, com personagens malucos e aventuras impossíveis.

Eu fiz o mesmo com meus filhos. Inventava histórias mirabolantes. O Sebastian, Milene e Anelíse eram sempre os heróis das aventuras.

“Conta aquela do dragão que tinha medo de fogo, mãe!”
“Não, conta a da princesa que não queria se casar!”

Hoje, quando os netos dormem aqui, fazem o mesmo pedido: “Vovó, conta uma história?”

E eu conto. E percebo que estou passando adiante algo precioso: o amor pela narrativa, pela imaginação, pela magia que as palavras criam.

4. As Receitas Anotadas à Mão

Tenho um caderninho velho, com capa de plástico já rachada, cheio de receitas escritas à mão. Algumas são da minha mãe. Outras, da minha avó. Outras, minhas.

Eu poderia digitalizar (os filhos vivem me sugerindo isso). Mas não quero. Porque aquela letra torta da minha mãe, aquelas manchas de gordura nas páginas, aquelas anotações nas margens (“adicionar mais açúcar!” ou “ficou perfeito!”) fazem parte da receita.

Quando faço o bolo de cenoura da vovó, abro o caderno naquela página, vejo a letra dela, e é como se ela estivesse ali, me ensinando de novo.

Isso não se digitaliza.

5. O Café da Manhã no Aniversário

Na minha casa de infância, no dia do aniversário, a pessoa aniversariante acordava com café da manhã na cama. Não importava a idade. Podia ter 5 ou 50 anos.

Era o jeito da família dizer: “Hoje é seu dia. Você é especial.”

Mantive essa tradição. Todo aniversário, a pessoa acorda com café, bolo, cartão. Às vezes só estou eu e o Rúben em casa, mas fazemos do mesmo jeito.

E quando os filhos vêm passar o aniversário aqui? Entram no quarto com café na bandeja, cantando parabéns desafinado. É brega? É. Mas é lindo. E eles amam.

Porque todos precisamos nos sentir especiais no dia do nosso aniversário. E essa tradição garante isso.

As Tradições que Transformei

Nem tudo eu mantive igualzinho. Algumas tradições eu adaptei, modernizei, transformei para caber na minha vida.

1. A Ceia de Natal (Menos Formal, Mais Acolhedora)

Na casa dos meus pais, a ceia de Natal era formal. Toalha de linho, louça boa, todos arrumados.

Eu transformei isso. Nossa ceia é informal. Nada de louça boa (que intimida todo mundo). Nada de roupa de gala (todo mundo fica desconfortável).

A mesa é farta, mas simples. As pessoas vêm como quiserem. Sentamos onde couber. E rimos muito mais do que nos preocupamos com etiqueta.

Mantive a essência (reunir a família no Natal), mas mudei a forma. E ficou mais gostoso.

2. A Foto de Família (Do Estúdio para o Celular)

Meus pais faziam questão da foto de família em estúdio todo ano. Todos combinando roupa, posando sérios, formais.

Eu transformei isso. Tiramos foto de família, sim. Mas são espontâneas. No almoço de domingo. No aniversário. Em qualquer momento.

Não precisa ser perfeita. Pode ter gente de olho fechado, criança fazendo careta, cachorro passando na frente. Porque é assim que somos: imperfeitos, bagunçados, reais.

E essas fotos têm muito mais vida do que aquelas posadas de antigamente.

3. As Festas de Aniversário (Menores e Mais Significativas)

Quando criança, minha mãe fazia festas grandes. Convidava a família inteira, vizinhos, colegas de escola.

Eu fiz isso nos primeiros anos com meus filhos. Até perceber: eles não curtiam tanto assim. Ficavam cansados, sobrecarregados. E a festa virava mais sobre impressionar os outros do que sobre comemorar a criança.

Então transformei. Festas menores. Só família próxima e melhores amigos. Mais simples. Mais íntimas.

E sabe o que aconteceu? As crianças aproveitaram mais. E as memórias ficaram mais bonitas.

As Tradições que Deixei Ir

E tem aquelas tradições que, conscientemente, decidi não manter. Não porque fossem ruins, mas porque não faziam mais sentido para mim.

1. A Obrigação de Visitar Todo Mundo no Fim de Ano

Na minha família, tinha uma lista de visitas obrigatórias no fim de ano. Tias, tios, primos distantes, padrinhos. Era exaustivo.

Eu não mantive isso. Visito quem eu realmente tenho vínculo. Quem eu gosto. Quem faz sentido estar perto.

E me libertei da culpa. Porque parentesco não é obrigação. Relacionamento verdadeiro se constrói com presença genuína, não com visitas protocolares.

2. A Pressão de “Fazer Tudo em Casa”

Minha mãe fazia tudo em casa. O pão, a massa, a geleia, tudo. Era quase uma questão de honra.

Eu tentei fazer isso no começo. E me esgotei.

Então decidi: não preciso fazer tudo. Posso comprar o pão da padaria (e ele é ótimo!). Posso encomendar a torta em vez de fazer. Posso usar atalhos.

E isso não me torna pior. Me torna mais sã. Porque sobra tempo para o que realmente importa: estar presente com quem amo.

3. O Silêncio Sobre Assuntos “Difíceis”

Na minha casa de infância, alguns assuntos não se discutiam. Dinheiro, política, problemas pessoais. Tudo era varrido para debaixo do tapete.

Eu não quis isso para minha família. Aqui, a gente conversa. Sobre tudo. Mesmo quando é desconfortável.

Dinheiro? Conversamos. Os filhos sabem nossa situação financeira. Política? Discordamos, mas com respeito. Problemas? Dividimos, em vez de esconder.

Quebrei essa tradição de silêncio. E acho que foi uma das melhores coisas que fiz.

As Novas Tradições que Criei

E tem aquelas tradições que não vieram da minha família, mas que eu criei. Do zero. Para serem nossas.

1. A Viagem Anual Só Eu e Rúben

Todo ano, eu e o Rúben tiramos uma semana só para nós dois. Sem filhos, sem netos, sem obrigações.

Começamos há dez anos. E virou tradição. Os filhos já sabem: “Em tal mês, os pais vão viajar.”

Isso fortaleceu nosso casamento. Nos lembrou que somos mais do que pais e avós. Somos um casal. E precisamos nutrir essa relação.

2. A Carta de Natal

Todo Natal, escrevo uma carta para cada filho. Falando do ano que passou, do orgulho que sinto, dos desejos para o ano que vem.

Entrego junto com o presente. Eles leem e guardam (espero!).

Comecei a fazer isso quando eles eram pequenos. E nunca parei. Hoje já são adultos, mas a tradição continua.

Porque palavras importam. E quero que eles tenham, por escrito, o quanto são amados.

3. O “Obrigada” Antes de Dormir

Toda noite, antes de apagar a luz, eu e o Rúben falamos três coisas pelas quais somos gratos no dia.

É rápido. Às vezes são coisas bobas (“Obrigada pelo almoço gostoso.” “Obrigada porque não choveu.”). Mas nos conecta.

Nos lembra que, no fim do dia, sempre há algo bom. Sempre.

Essa virou uma tradição só nossa. E eu pretendo mantê-la até o último dia.

O Equilíbrio Entre Manter e Soltar

O que aprendi é que tradições são importantes, mas não podem ser amarras.

Manter tudo igual “porque sempre foi assim” pode virar peso. Pode impedir crescimento.

Mas jogar tudo fora também é perda. É perder a conexão com as raízes, com a história.

O segredo está no equilíbrio: honrar o passado enquanto vive o presente.

Manter o que faz sentido. Transformar o que precisa ser adaptado. Soltar o que não serve mais. E criar tradições novas.

Porque tradição viva não é estática. É dinâmica. Evolui com as gerações, mas mantém a essência.

E você? Quais tradições mantém na sua família? Quais deixou ir? Me conta aqui nos comentários! 💛

Berta Cortéz

Jornalista, escritora, mãe, avó, esposa e eterna aprendiz da vida.

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